Demissão silenciosa custa à economia global 9% do PIB

O fenômeno quiet quitting, ou demissão silenciosa, tornou-se uma realidade em organizações do mundo todo. De acordo com a pesquisa “State of the Global Workplace 2024”, da Gallup, empresa global de análise e consultoria, feita com milhares de trabalhadores de 160 países, 62% dos funcionários não estão engajados e relataram fazer o mínimo necessário, enquanto 15% estão ativamente desengajados. Além disso, 52% afirmaram estar atentos ou procurando ativamente um novo emprego. Entre os brasileiros, 46% disseram sentir-se estressados, 25% relataram estar tristes e 18% disseram sentir raiva. O levantamento revelou ainda que o baixo envolvimento e entusiasmo dos funcionários custa à economia global US$ 8,9 trilhões, ou 9% do PIB global.
“A geração atual percebe a importância de ter uma vida além do trabalho, mas muitas empresas ainda não se adaptaram a essa nova realidade. O movimento da demissão silenciosa ganhou força na pandemia, pois busca estabelecer limites entre vida pessoal e profissional. Os funcionários limitam-se a interações estritamente profissionais, executam apenas as tarefas estabelecidas em contrato e encerram suas atividades ao fim do expediente. Nas gerações anteriores, fazer hora extra e levar trabalho para a casa era visto como um valor, mas essa cultura da sobrecarga já se mostrou ser ineficaz”, analisa Cláudia Cardoso, professora de Recursos Humanos e de Psicologia da Estácio.
A docente, que também é mentora de líderes e treinadora comportamental, afirma que o resultado desse comportamento, além do baixo engajamento e comprometimento, é o aumento de pedidos de demissão e de vagas não preenchidas. “As pessoas escolhem a empresa e não mais a empresa que as escolhe. Tanto o funcionário quanto o candidato têm buscado empresas alinhadas com o crescimento profissional, bem-estar e saúde. Eles buscam vagas de trabalho remoto ou híbrido, que ofereçam flexibilidade de horário, e que não exijam o cumprimento um excesso de horas”, expressa.
Na avaliação da especialista, se os líderes não estiverem preparados para lidar com esse novo comportamento, eles irão desmotivar sua equipe a permanecer na organização e dificultar a atração de novos talentos. “Quando falamos em liderança despreparada, estamos nos referindo a profissionais altamente técnicos, mas com habilidades comportamentais insuficientes, muitas vezes porque as organizações não oferecem oportunidades nem ferramentas para que eles possam se desenvolver. Os líderes precisam saber lidar com pessoas e não apenas analisar números. Precisam ser desenvolvidos e ouvidos também, para aprender a oferecer uma liderança mais humanizada, que saiba ouvir seu time e gere resultados com e através dela. Outro movimento relevante é que a nova geração não tem interesse em assumir posições de liderança, o que torna ainda mais urgente que as companhias revejam suas práticas e coloquem seu capital humano em primeiro lugar”, ressalta.
Outro fator que contribui para a demissão silenciosa, segundo a docente, é a falta de feedback e a desvalorização da trajetória profissional. “No passado, era comum ver funcionários se aposentando na mesma empresa. Hoje, a média de permanência em um emprego é de, no máximo, três anos. Portanto, o feedback contínuo é essencial para o desenvolvimento, não apenas para corrigir rotas, mas para estimular a motivação, alinhar expectativas e sugerir melhorias tanto para líderes quanto para colaboradores. Essa prática traz mais leveza ao ambiente de trabalho, segurança aos profissionais e oportunidades de crescimento”, descreve.
A professora acrescenta que é fundamental ter clareza sobre oportunidades de crescimento, seja ele hierárquico ou horizontal, por meio de um plano de cargos e salários definidos pela empresa. “O crescimento também envolve o investir no colaborador, oferecendo cursos de capacitação e formações que melhorem sua performance no trabalho”, relata.
Cláudia Cardoso alerta que é fundamental prestar atenção aos sinais de descontentamento dos colaboradores, para que os gestores possam ajudá-los e ouvir suas necessidades. “Queda de produtividade ou pouca contribuição em ideias por parte de um funcionário que antes era dedicado e engajado são sinais de alerta. Os colaboradores querem ser ouvidos, reconhecidos como pessoas, e não apenas como números para atingir metas e indicadores. Eles desejam oportunidades de desenvolvimento e condições de trabalho saudáveis e satisfatórias, além de uma remuneração justa”, declara.
Uma ferramenta que pode auxiliar as companhias a compreender o nível de satisfação dos empregados é a pesquisa de clima. “A pesquisa de clima avalia a atmosfera organizacional e pode ser realizada anualmente, semestralmente ou até trimestralmente. No entanto, é preciso que as respostas sejam acompanhadas de um plano de ação, visando entender as necessidades individuais e coletivas. Não basta criar espaços de descompressão no ambiente laboral se a empresa não oferece oportunidade ao colaborador nem tempo para ele usufruí-los. É importante desenvolver uma cultura organizacional aberta para ouvir e fazer as adequações necessárias às necessidades das pessoas. Além disso, é importante compreender o que faz a diferença para que o colaborador queira permanecer e crescer na empresa. Oferecer apoio psicológico, seguro saúde, programas de capacitação para líderes e equipes, garantir condições adequadas para o trabalho presencial e home office, como computador, acesso à internet e mobiliário ergonômicos, promover políticas de diversidade e inclusão, oferecer tempo de qualidade, vale-cultura e auxílio academia são alguns exemplos de ações que podem ser implementadas com base nos resultados da pesquisa de clima, a fim de melhorar o bem-estar e aumentar a motivação e o engajamento", finaliza.
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